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Acendendo a luz: porque o preço da energia de Itaipu é importante para o consumidor brasileiro

Marcela Nogueira Ferrario (1)

                Este texto de discussão do CEPECON-UNILA tem por finalidade trazer ao público alguns dados e análises sobre as despesas de energia elétrica e seu acesso no Brasil e Paraguai. Há alguns meses, o debate sobre o preço da energia elétrica produzida por Itaipu ganhou espaço na opinião pública brasileira e paraguaia. Itaipu é responsável pela produção de aproximadamente 8,6% da energia consumida no Brasil e 86,3% da eletricidade do Paraguai. Como o Paraguai não consome toda a metade da energia produzida a que teria direito, o Brasil compra esse excedente por um valor negociado anualmente. A medida que a dívida contraída para construção da Itaipu foi totalmente amortizada no início de 2023, havia expectativas de que o valor de custo da energia produzida pela usina declinasse substancialmente. Contudo, o debate que tomou as páginas dos meios de comunicação indica um outro caminho: o contencioso geoeconômico entre os dois países acerca do valor da tarifa de energia e os dividendos políticos dos excedentes de caixa por ela gerados, especialmente após a amortização, indicam que a tarifa não será reduzida para o preço de custo de US$ 10kW/mês, como sugere a ANEEL.

                  Diante disso, alguns elementos serão aqui destacados a fim de esclarecer o leitor, a partir dos dados estatísticos, quais são as condições de acesso e custos da energia elétrica das famílias brasileiras e paraguaias. O Brasil possui uma das tarifas de energia mais caras do mundo e também a que incide de forma mais regressiva sobre a renda nos domicílios dos brasileiros, penalizando os mais pobres. De acordo com dados da POF(2) 2017-18, a despesa média dos brasileiros com energia elétrica ficou em torno de R$115,363, o que corresponde a 2,5% das despesas totais dos domicílios.

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                     De acordo com a tabela 1, as famílias com menores rendimentos per capita são as que possuem maiores proporções de despesas com energia, em relação as despesas totais per capita. Esse percentual se reduz conforme a renda aumenta. As famílias mais pobres (com rendimento per capita até R$400,00) das regiões Sul e Sudeste são as que mais desembolsam pelo uso da energia. Na região Sul, a proporção chega a 6,14% – o que representa 1,64 p.p. a mais, em relação as despesas médias dos domicílios do Brasil. Já as famílias mais ricas, com rendimento per capita superior a R$10 mil, comprometeram 0,87% das suas despesas com energia, ou seja, as despesas com energia das famílias mais ricas são 3,63 p.p menores em relação aquelas com renda per capita até R$400.

                     Segundo dados da Copel, em 2023 o preço de 1 KWh foi de R$0,38737/KWh no estado do Paraná, com impostos e fora de ponta. Significa que se o consumo de energia elétrica de uma família residente no PR for de 1.000 KWh a despesa será de R$387,37, sem considerar a taxa de iluminação pública. Já um domicílio no Paraguai, de acordo com dados da ANDE em 2023, pagou cerca de ₲420,27(4)/ KWh (R$0,2825(5)). Dessa forma, os mesmos 1.000 KWh consumidos do outro lado da fronteira equivaleriam a uma despesa domiciliar com energia no valor de R$282,50. No Brasil, de acordo com dados da PNADC(6) de 2022, 99,78% dos domicílios utilizam ao menos uma fonte de energia elétrica. Sobre a regularidade do fornecimento, 98,63% dos domicílios tem fornecimento diário, sem interrupções, e 1,37% declararam que há alguma interrupção.

                  Já no Paraguai, de acordo com os dados da EPHC(7) de 2022, 99,69% dos domicílios possuem energia elétrica, sendo que, 99,4% das famílias consideradas pobres possuem eletricidade.

                 Em termos relativos, as estatísticas são muito próximas, no entanto os números absolutos nos revelam um outro contexto, conforme demonstra a tabela 2.

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                             A tabela 2 indica que, em relação ao Paraguai, o Brasil possui 2,62 vezes mais domicílios sem fornecimento de energia elétrica, ou seja, cerca de 474 mil pessoas viviam, em 2022, sem energia elétrica no Brasil. O Paraguai, por sua vez, possui 23 mil pessoas sem acesso a eletricidade. A Região Nordeste do Brasil é a que concentra o maior número de domicílios sem acesso a nenhuma fonte de energia elétrica, pouco mais de 78 mil, ou seja, 48,17% do total de domicílios sem acesso a eletricidade. Já as áreas mais populosas do Paraguai, como Central e Alto Paraná, não há registro de nenhum domicílio sem acesso à energia elétrica, nem mesmo os pertencentes as zonas rurais.

                           Não é possível dizer o mesmo do Brasil. A unidade da federação com menor quantidade de domicílios sem energia elétrica é Goiás enquanto a Bahia é a que concentra o maior número de famílias sem acesso à energia elétrica. Apesar de ser um grande produtor de energia, o Brasil é um país que possui uma quantidade significativa de pessoas sem acesso a esse bem básico. Não é preciso descrever os inúmeros benefícios à melhoria da qualidade de vida que o acesso à energia elétrica proporciona. Sendo assim, os recursos excedentes de Itaipu, que no ano de 2023 alcançaram US$ 800 milhões (repartidos entre Brasil e Paraguai), poderiam ter sido destinados a políticas de inclusão energética dos domicílios mais pobres. Ou ainda para reduzir o peso do valor da tarifa elétrica sobre a renda das famílias mais pobres, mitigando seu efeito regressivo. Outra iniciativa poderia ser a instalação de placas solares em residências de baixa renda per capita, com recortes específicos para domicílios com beneficiários do BPC(9) ou PBF(10), ou mesmo domicílios pobres, mas que não são elegíveis aos programas sociais. Essa proposta pode ser utilizada inicialmente como um projeto-piloto, a ser avaliado, e depois implementado em associação com a agenda de política industrial. Isso proporcionaria um aumento da renda disponível dos domicílios mais pobres, além do efeito multiplicador em virtude da aquisição dos insumos básicos e mão de obra técnica para instalação dos painéis solares. Isso aliviaria os custos com energia elétrica dos domicílios mais pobres, conforme apontado na tabela 1.

                       Outra destinação a esses recursos poderia sanar as barreiras infraestruturais que ainda impedem quase 500 mil pessoas de terem acesso à energia no Brasil. A partir de diagnósticos produzidos por estudos, esses recursos poderiam aportar investimentos para alcançar pontas do mercado consumidor onde as distribuidoras não veem justificativa econômica para investir, além de incluir a energia elétrica no cotidiano dessas famílias, tendo como meta zerar o número de domicílios sem acesso a esse bem.

                      Políticas que subsidiem o acesso dos mais pobres a esse bem público são urgentes e, ao que parece, produziriam impactos redistributivos mais significativos do que a sua destinação para municípios executarem projetos socioambientais, como é feito atualmente. Grande parte desses municípios já contam com recursos do Fundo Nacional do Meio Ambiente (FNMA), destinados exclusivamente a esse fim.

1 Professora Adjunta da área de Economia da UNILA, docente do Programa de Pós-Graduação em Economia (PPGE), pesquisadora associada no CEPECON-UNILA e no CEDE-UFRJ/UFF, e-mail: mnferrario@gmail.com. A autora agradece aos comentários e sugestões de Carlos Henrique V. Santana, Cláudia L. Bisaggio Soares e Amilton Moretto.

2 Pesquisa Nacional de Orçamentos Familiares (POF), essa pesquisa é realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)

3 Valores em reais de 2018.

4 Tarifa adotada para consumo entre 501 – 1000 kwh <https://www.ande.gov.py/docs/tarifas/Pliego%20de%20Tarifas %20Nro%2021%20Version%20Actualizada%2014-06-2023.pdf>

5     Convertidos a taxa de câmbio 27 de jan/2023, ₲1.487,45 equivale R$1,00.

6 Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílio Contínua (PNADC) 1a visita.

7 Encuesta Permante de Hogares Continua (EPHC), séries comparáveis, elaborada pelo INE-PY.

8 Outras se constitui da soma dos domicílios das regiões: Alto Paraguay, Boquerón, Presidente Hayes, Concepción, Cordillera, Guairá, Missiones, Paraguarí, Ñeembucú, Amambay, Canindeyú.

9 Benefício de Prestação Continuada (BPC)

10 Programa Bolsa Família (PBF)